sábado, 31 de outubro de 2020

Sobre ética, limitação orgânica, evolução e construção de legados

É preciso perceber que o ser humano vive em roda destes aspetos: a ética das coisas e dos comportamentos, o facto de sermos organicamente limitados no tempo, a necessidade intrínseca de evoluir e a mentalidade de cada pessoa querer deixar um legado para a família e para o próprio mundo.

Estes são os ingredientes introdutórios a um tema que irá nos próximos anos fazer parte dos nossos debates e conversas, enquanto seres individuais e enquanto sociedade. 

Transumanismo – um futuro inevitável.

Nascemos limitados pelo facto de sermos orgânicos e por isso perecíveis, finitos.

É certo que até certa altura da vida vamos evoluindo e dando o próximo passo no melhoramento do nosso organismo, todavia a partir de determinado ponto de viragem, é precisamente o inverso que acontece. Decaímos.

Alguns mais depressa do que outros, devido a diversas variantes e condicionantes: umas da nossa responsabilidade, outras nem por isso. Culpa da genética, do meio ambiente, da área geográfica, de comportamentos dos adultos enquanto eramos crianças, uma panóplia de influências que vão determinar se o nosso envelhecimento é mais rápido ou mais acentuado do que de outros seres biológicos que nasceram e cresceram tal como nós, humanos.

A finitude está presente em quase tudo na nossa vida, até o próprio planeta é finito. Um dia, daqui a muitos milhares de anos, coisa que não nos afeta tão cedo mas que há de afetar alguém.

O dia tem um fim, as férias, as aulas, o dia de trabalho, o contrato de trabalho, o contrato de arrendamento, o filme, o livro, a viagem, tudo gira à volta de um início, um meio e um fim.

E esse fim atormenta-nos sobretudo em relação ao nosso organismo e às coisas que podemos fazer enquanto respiramos por nós próprios, pensamos por nós próprios. Ou seja, o saber que um dia isso deixará de ser possível do mesmo modo que o fazíamos quando ainda estávamos a evoluir, dá que pensar.

Tanta coisa ainda por fazer, por viver, e tão curto espaço de tempo.

Parece que não faz sentido. Dão-nos vida e depois pouco tempo para a aproveitar. É como partir em desvantagem numa corrida, o tempo já vai à frente e nós ainda nem arrancámos.

Lidar com isso não é fácil, aceitar muito menos, viver isso é perturbador. Por muito que algumas pessoas digam que gostam de chegar a uma idade avançada e até estão a gostar da mesma, não deve haver um dia que não pensem que gostavam de ainda ter as mesmas capacidades de quando eram jovens, capacidades físicas e intelectuais que lhes permitam acompanhar a vida não só deles próprios mas também daqueles que os rodeiam, de uma forma mais próxima e energética. Nem que fosse somente acompanharem os que os rodeiam evoluírem. Algo que sabem bem que não o vão poder fazer até quando gostariam.

É um paradoxo.

Ou então é um desafio de gestão de tempo. Talvez o nosso objetivo primordial de vida é saber gerir o pouco tempo biológico que nos é concedido. Nem é ser feliz ou alcançar muito sucesso, é simplesmente saber gerir o tempo.


Paula Franco

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quinta-feira, 22 de outubro de 2020

As gerações que carregamos em nós, as gerações que virão

Somos e existimos para além do tempo e do espaço que vemos com os nossos olhos.

Descendentes de antepassados, temos tendência para esquecer ou arquivar num dos cantos da nossa memória as nossas raízes e heranças de outros e, queremos com toda a força, construir um novo eu, como se viéssemos do zero.

É uma bela tentativa de nos afirmarmos na sociedade complexa que habitamos, conquistar um espaço só nosso, que nada tenha a haver com os antepassados que vieram antes de nós.

A nossa ignorância leva-nos a atuar assim.

Na verdade, devíamos saber bem que não seriamos o que somos hoje sem essa evolução de geração em geração; somos o resultado da evolução através dos tempos de uma família que se foi construindo através do tempo e do espaço.

Para o bem e para o mal, carregamos no ADN a história, a memória, a vivência, os traços físicos, a saúde, a doença, os sonhos, os medos, os demónios de todos os que nos antecederam.

Todos esses sonhos e monstros culminaram naquilo que somos hoje.

E devemos ser orgulhosos disso. E não tentar apagar e construir um novo eu, à nossa maneira, como se fossemos uma novidade.

Não somos. Não somos novidade no turbilhão do universo. Somos uma evolução de outras evoluções antes de nós. E daremos lugar a próximas evoluções que se querem melhor que nós.

E ainda bem que carregamos os sonhos e monstros dos nossos antepassados nos genes e os iremos passar a outros. Eles fizeram de nós aquilo que somos hoje.

A única variante que o cosmos nos permite é aquela que Elvis Presley e Frank Sinatra cantavam e imortalizaram, vivermos à nossa maneira.

E a maior parte das pessoas vive de acordo com a sociedade e não à sua maneira, desperdiçando assim a única coisa que podemos efetivamente controlar neste infindável ciclo de vidas que nascem e morrem, que dão origem a outras que darão origem a outras.

Paula Franco

reservados os direitos de autor