segunda-feira, 5 de abril de 2021

Os (novos) sujeitos laborais à distância

O contexto atual é responsável por várias mudanças que estão a acontecer um pouco por todas as áreas da sociedade.

O direito do trabalho não é exceção e tem sido um dos mais visados pelos eventos atuais. Num curto espaço de tempo mudou-se o paradigma do conceito de relação laboral que até agora tem sido maioritariamente entendido: uma relação assente na presença física entre os sujeitos intervenientes, i. é, entre empregador e trabalhador. Os contratos de trabalho são redigidos e projetados, na sua grande maioria, a pensar num local de trabalho físico, com um horário de trabalho de entrada e saída desse local, funções a exercer nesse mesmo local que está organizado de modo que possa ser controlado pela entidade patronal. O poder de direção do empregador, determinado pelo Código do Trabalho, é exercido em pleno pois ambas as partes lidam uma com a outra, presencialmente, num espaço pertencente ao empregador. Não nos podemos esquecer que o contrato de trabalho tem como elemento fundamental o intuito personae.

Ora, com esta repentina mudança de paradigma de (inclusive) obrigatoriedade da relação laboral ser à distância, entrou-se em terreno ainda muito desconhecido. Uma relação laboral presencial tem certas caraterísticas e consequências; uma relação laboral digital, à distância, acarreta aspetos e tem impacto diferente, quer na vida da entidade patronal, quer na do trabalhador.

Esta passagem repentina e com o peso da obrigatoriedade não é fácil porque a maior parte dos sujeitos laborais tem comportamentos e mentalidade baseada numa relação laboral presencial.

Desde logo, do lado do trabalhador, passa a ter uma fenomenal importância para a sua produtividade, a sua capacidade de autonomia, de gestão de tempo, de organização pessoal – este está agora no seu espaço pessoal, portanto sob a influência de variados estímulos associados ao lazer, à diversão, ao descanso. Saber compartimentar os seus lados da vida, o pessoal do profissional, saber fazer um perfeito work by blend, requer mudança de mentalidade, requer desconstruir hábitos enraizados e criar novos. E esta mudança cultural não pode ser só com o trabalhador, toda a sua família tem também de acompanhar e por isso mudar como entende o trabalho – aquela pessoa já não vai sair de casa para o local de trabalho e vai estar sempre em casa, ali à mão de uma conversa, de uma solicitação. Tudo isto é tentador para os familiares do trabalhador que passa a precisar de um espaço só para si e de, na sua casa, no seu espaço pessoal, ter um ambiente de trabalho – sem ruídos, sem distrações.

Outro problema que surge vem depois, passado algum tempo, com a nova rotina imposta. Sempre no mesmo espaço, retira ao trabalhador a possibilidade de contacto quer com colegas quer com outras pessoas que habitualmente contactava no percurso para o local de trabalho. Digitalmente não há a tentação de parar para uma conversa com os colegas nem sequer existe o convívio na pausa para o almoço. E isto começa a desmotivar o trabalhador. Desmotivação provoca falta de produtividade.

Urge, por isso, refletir que não se pode ver o trabalhador à distância do mesmo modo que se vê e se lida com um trabalhador presencial. Muito menos se podem fazer contratos de trabalho iguais, existem especificidades de cada um e não se pode apenas mudar a cláusula do local de trabalho dizendo que é “em casa”, “é em teletrabalho”, por exemplo. Temos de considerar o horário de trabalho, as pausas e intervalos para descanso, o poder de direção, novos direitos e novos deveres inerentes à realidade “à distância”, entre tantos outros aspetos a considerar ao redigir um contrato de trabalho.

De modo a elaborar contratos de trabalho que efetivamente se apliquem à relação laboral à distância, exige também que a entidade patronal à distância não se pode comportar como se fosse uma entidade patronal presencial. Se não mudar o seu entendimento, se não tiver esta visão estratégica, corre o sério risco do insucesso.

Ao Direito do Trabalho cabe a tarefa de orientar e guiar de modo sábio, ponderado, mas visionário estas novas relações laborais e não seguir conceções desadequadas ao contexto em causa e muito menos ceder a tentações populistas de soluções que depois na prática não irão beneficiar nem o trabalhador nem o empregador.

Estamos num momento importante de finalmente evoluirmos no entendimento do trabalho e dos seus sujeitos, de ver o trabalho e o lazer como dois lados que se complementam em vez de os ver como opostos.

O work by blend exige mudança de mentalidade, de ambas as partes. Saibamos aproveitar.

 

Paula Franco

reservados os direitos de autor 


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