O contexto atual é responsável por várias mudanças que estão a acontecer um pouco por todas as áreas da sociedade.
O direito do
trabalho não é exceção e tem sido um dos mais visados pelos eventos atuais. Num
curto espaço de tempo mudou-se o paradigma do conceito de relação laboral que
até agora tem sido maioritariamente entendido: uma relação assente na presença
física entre os sujeitos intervenientes, i. é, entre empregador e trabalhador.
Os contratos de trabalho são redigidos e projetados, na sua grande maioria, a
pensar num local de trabalho físico, com um horário de trabalho de entrada e
saída desse local, funções a exercer nesse mesmo local que está organizado de
modo que possa ser controlado pela entidade patronal. O poder de direção do
empregador, determinado pelo Código do Trabalho, é exercido em pleno pois ambas
as partes lidam uma com a outra, presencialmente, num espaço pertencente ao
empregador. Não nos podemos esquecer que o contrato de trabalho tem como
elemento fundamental o intuito personae.
Ora, com esta
repentina mudança de paradigma de (inclusive) obrigatoriedade da relação
laboral ser à distância, entrou-se em terreno ainda muito desconhecido. Uma
relação laboral presencial tem certas caraterísticas e consequências; uma
relação laboral digital, à distância, acarreta aspetos e tem impacto diferente,
quer na vida da entidade patronal, quer na do trabalhador.
Esta passagem
repentina e com o peso da obrigatoriedade não é fácil porque a maior parte dos
sujeitos laborais tem comportamentos e mentalidade baseada numa relação laboral
presencial.
Desde logo, do
lado do trabalhador, passa a ter uma fenomenal importância para a sua
produtividade, a sua capacidade de autonomia, de gestão de tempo, de organização
pessoal – este está agora no seu espaço pessoal, portanto sob a influência de
variados estímulos associados ao lazer, à diversão, ao descanso. Saber
compartimentar os seus lados da vida, o pessoal do profissional, saber fazer um
perfeito work by blend, requer mudança de mentalidade, requer desconstruir
hábitos enraizados e criar novos. E esta mudança cultural não pode ser só com o
trabalhador, toda a sua família tem também de acompanhar e por isso mudar como
entende o trabalho – aquela pessoa já não vai sair de casa para o local de
trabalho e vai estar sempre em casa, ali à mão de uma conversa, de uma
solicitação. Tudo isto é tentador para os familiares do trabalhador que passa a
precisar de um espaço só para si e de, na sua casa, no seu espaço pessoal, ter
um ambiente de trabalho – sem ruídos, sem distrações.
Outro problema
que surge vem depois, passado algum tempo, com a nova rotina imposta. Sempre no
mesmo espaço, retira ao trabalhador a possibilidade de contacto quer com
colegas quer com outras pessoas que habitualmente contactava no percurso para o
local de trabalho. Digitalmente não há a tentação de parar para uma conversa com
os colegas nem sequer existe o convívio na pausa para o almoço. E isto começa a
desmotivar o trabalhador. Desmotivação provoca falta de produtividade.
Urge, por isso,
refletir que não se pode ver o trabalhador à distância do mesmo modo que se vê
e se lida com um trabalhador presencial. Muito menos se podem fazer contratos
de trabalho iguais, existem especificidades de cada um e não se pode apenas
mudar a cláusula do local de trabalho dizendo que é “em casa”, “é em
teletrabalho”, por exemplo. Temos de considerar o horário de trabalho, as
pausas e intervalos para descanso, o poder de direção, novos direitos e novos
deveres inerentes à realidade “à distância”, entre tantos outros aspetos a
considerar ao redigir um contrato de trabalho.
De modo a
elaborar contratos de trabalho que efetivamente se apliquem à relação laboral à
distância, exige também que a entidade patronal à distância não se pode
comportar como se fosse uma entidade patronal presencial. Se não mudar o seu
entendimento, se não tiver esta visão estratégica, corre o sério risco do
insucesso.
Ao Direito do
Trabalho cabe a tarefa de orientar e guiar de modo sábio, ponderado, mas
visionário estas novas relações laborais e não seguir conceções desadequadas ao
contexto em causa e muito menos ceder a tentações populistas de soluções que
depois na prática não irão beneficiar nem o trabalhador nem o empregador.
Estamos num momento
importante de finalmente evoluirmos no entendimento do trabalho e dos seus
sujeitos, de ver o trabalho e o lazer como dois lados que se complementam em
vez de os ver como opostos.
O work by blend
exige mudança de mentalidade, de ambas as partes. Saibamos aproveitar.
Paula Franco
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