As
ruas pareciam que se perdiam por entre os altos prédios da cidade de Vur, uma
cidade que ficava para lá do mar verde escuro que cobria o planeta Xeiq.
Seres
muito apressados percorriam os passeios, numa tal azáfama que era impossível
perceber. Os carros circulavam em dois sentidos, sem pararem em sinais de
trânsito, cada carro entrava na rua, depois saia, depois entrava outro,
sucessivamente.
Erg
nunca tinha ali estado, não conseguia perceber aqueles movimentos dinâmicos e
mecânicos. Encostou-se a uma parede e deixou-se ali ficar por uns longos
minutos, a observar.
Tinha
chegado algumas horas antes no comboio rápido que fazia a ligação entre as
cidades de Xeiq e estava a anos luz de se sentir bem e orientado naquela cidade
nova.
Na
verdade, não fosse a sua determinação em encontrar o guardador de livros mais
antigo do planeta, já estaria arrependido de ali estar. A sua cidade, Lorq, era
muito mais calma e ordenada.
No
entanto, em Lorq tinha-se acabado com a profissão de guardador de livros. Com o
desaparecimento do último, a cidade ficou orfã de quem a protegesse do
esquecimento dos livros em papel.
Há
muitos anos, nas Guerras Tecnológicas, em que o Ramo Digital tomou o poder, que
já não se imprimiam livros em papel. Apenas um grupo de pessoas, chamados Os
Visionários, insistiam em ler livros em papel. Como já não se faziam mais, os
Visionários trocavam entre si os livros e (era apenas um rumor) havia quem
estivesse a escrever livros novos. Chamavam-lhe os Marginais.
Entretanto,
com o desaparecimento do último Guardador de Livros de Lorq, a Casa do Poder do
Ramo Digital, apreendeu os livros e estes foram encarcerados nos túmulos
esquecidos.
Ora,
Erg queria ler. Queria continuar a ler os livros. Então, numa noite de grande
silêncio, decidiu que iria até à cidade de Vur, onde se constava que vivia o
mais antigo Guardador de Livros e que tinha uma infindável coleção de livros de
todas as histórias. Dizia-se que até tinha sobre as Civilizações Perdidas e
também de outros planetas.
Desde
criança que Erg sonhava com conhecer a história dos outros planetas e, quando
mais avançava na idade, maior era o sonho agora acompanhado de um plano.
Assim,
meteu-se um comboio rápido e, cheio de nervos e entusiasmo, esperou que este
chegasse a Vur.
Agora
que ali estava apercebeu-se que não tinha delineado um plano completo e em
condições pois agora não sabia o que fazer.
As
cores, as luzes, os sons, as imagens que pareciam vir do nada, preenchiam as
ruas.
Vur
era o centro governamental do planeta, onde residia a sede do Ramo Digital e
seu exército por isso a presença digital era muito profunda ali.
Não
deixava de ser curioso ser ali que havia o maior grupo de Marginais e a maior
coleção de livros de Xeiq.
Perdido
nos seus pensamentos e nos seus medos, paralisado e sem ação, Erg estava a
começar a entrar em pânico.
Nisto,
ouviu uma voz vinda do escuro.
-
Ei, tu, vem para aqui antes que te achem suspeito.
Instintivamente
Erg deu um pulo e seguiu a voz que vinha de uma lateral da rua onde se
encontrava.
Aproximou-se
do escuro e um rosto surgiu-lhe. Era uma rapariga muito morena, com um capuz na
cabeça e envergando vestes com cores castanhas. Nas mangas largas, os símbolos
de Vur.
Em
Xeiq, os cidadãos usavam os símbolos das suas cidades nas mangas das roupas,
não era permitido numa cidade usar os símbolos de outra.
Nas
centrais dos comboios existem avisos por todo o lado “Troque os seus símbolos.
Está em Vur. Use o hexágono verde. Bem vindo a Vur, cidadão de Xeiq.”
Erg
esqueceu-se por completo de ir ao registo dar conta da sua presença ali e pedir
para lhe mudarem, por via da tecnologia, os símbolos de Lorq que usava nas suas
mangas.
Ficou
ainda mais em pânico.
-
Não costumas viajar muito, pois não? Metes-te num sarilho ao não ires ao
registo dos símbolos. – depois de uma pausa, a rapariga tirou um casaco da sua
mochila e entregou a Erg. – Toma, veste. Assim não te vão mandar parar e
levarem-te para a detenção e averiguação.
Sem
questionar, Erg vestiu imediatamente o casaco.
-
Obrigado. – disse ele, visivelmente agradecido.
-
Então, que fazes aqui? O que vens à procura? – perguntou a rapariga apesar de
que a Erg lhe pareceu que ela desconfiava dele.
-
Acabaram-se os livros na minha cidade, Lorq. Ficámos sem o nosso último
Guardador de Livros – e baixou a cabeça tristemente – e os livros foram
apreendidos. Mas eu quero continuar a ler! – e levantou a cabeça, determinado.
A
rapariga sorriu e estendeu-lhe a mão.
-
Anda. Vem comigo conhecer o nosso Clube dos Marginais de Vur. Temos muitos
livros para leres. E mais ainda.
Os
olhos de Erg brilharam.
-
Vocês andam a escrever livros novos?! E o vosso Guardador tem livros sobre os
outros planetas? – a sua voz não conseguia conter o seu entusiasmo.
A
rapariga riu-se.
-
Sim. Somos loucos. Mas estamos apaixonados pelo universo e por encontrar outros
como nós noutros planetas.
E
fez uma pausa.
-
Descobrimos um noutra galáxia, distante. Um planeta azul.
-
E…? – Erg pulava de alegria.
-
Enviámos uma mensagem. Mas não sabemos se eles perceberam e se vão responder.
Erg
estava eufórico com as palavras da sua nova amiga. Já nem se lembrava dos seus
medos e do pânico que ainda há pouco sentia.
-
Temos de ir. A qualquer momento podemos ter uma mensagem do planeta Azul.
Erg
e a sua amiga desapareceram pela rua escura e silenciosa. Os seus corações
imaginavam grandes conversas com os habitantes deste planeta azul, fossem eles
como fossem. Mas não podiam falar disto aos outros habitantes de Vur. Ninguém
acreditava que outro planeta tivesse vida inteligente como em Xeiq e essa
loucura já tinha custado a muitos Visionários o desaparecimento da sociedade.
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