Um
caminho estreito ladeado de altas paredes de pedra muito antiga era perfeito
para Leo sair da sua cidade sem dar nas vistas e ir à procura da estrela
cintilante.
É
uma lenda, diziam-lhe os amigos, fazendo troça, os nossos pais contam-nos isso
para dormirmos, não existe.
Para
Leo, colocar a hipótese de que os pais lhe mentiam inventando uma história tão
magnífica, era algo perturbante.
Tem
de ser verdade, pensava vezes sem conta. Porque sou só eu a acreditar que é
verdade?
Porque
nunca ninguém viu a estrela cintilante da lenda criadora de mundos. Se nunca
ninguém viu é porque não existe. Ponto final.
Eram
as palavras do seu professor de lógica, sempre que Leo trazia o assunto à
conversa.
Muitas
vezes ficou de castigo e ter de ler temas científicos para ver se esquecia a
lenda.
Depois
chegava a casa e a mãe confortava:
-
Só tu sabes no que queres acreditar. Se os outros nunca viram, não quer dizer
que não esteja algures lá fora.
Leo
concluiu então que a estrela cintilante devia estar fora da cidade e era por
isso que nunca ninguém a tinha visto.
Se
calhar era preciso ir à sua procura, porque ali na cidade nunca a iria ver.
-
Provavelmente a estrela cintilante sabe que ninguém aqui acredita nela e por
isso não aparece.
Pensava
Leo para se convencer do inevitável: tinha de sair da cidade e ir à procura da
estrela cintilante criadora dos mundos.
Passou
o dia todo nervoso na escola, com muito cuidado para não revelar o seu segredo
– logo, depois de ir para a cama, ia sair da cidade.
Sabia
de um caminho que o seu avô falava, em tempos idos, quando as cidades se
comunicavam entre si.
Agora
cada uma está fechada, murada, e não é permitido viajar para fora do território
da cidade.
Poucas
pessoas são as que se lembram desse tempo. Depois do conflito das cidades que
ceifou a vida a muitas pessoas e destruiu grande parte das cidades, foi
decidido por todas não se tornarem a comunicar.
Não
voltou a haver conflitos, mas nunca mais houve também novos amigos e novas
aventuras – só importava a história de cada cidade e a sua sustentabilidade.
Quando
morressem os últimos combatentes, toda uma época da História entre as cidades
de trocas comerciais, sociais, políticas e de tradições, ia desaparecer. Para
sempre.
Leo
crescera já depois do conflito por isso era natural nada saber das outras
cidades e só saber da sua e ter sempre os mesmos amigos, assim como nunca sair
dos muros.
Essa
atitude sempre lhe parecera normal e por isso nunca prestara atenção para além
do que o rodeava. Conhecia os mesmos lugares e as mesmas pessoas desde que se
lembra.
A
certa altura reparou que eram as mesmas de sempre. Gostava delas e dos parques,
dos edifícios, das ruas, da cidade, mas… uma sensação de vazio começou a
crescer dentro de si.
Não
conseguia perceber o que era, mas as questões e dúvidas começaram a surgir na
sua mente e depois nas suas palavras e conversas.
Aí
começaram os seus problemas. Chamado a atenção pelos professores, pelos pais,
por todos os adultos e pelos próprios colegas e amigos. Estava a delirar, a ser
injusto para a vida harmoniosa que tinha, a desrespeitar os que tinham dado a
sua vida do conflito das cidades. Em suma, ninguém sabia o que se passava com Leo
para este comportamento anormal. Na verdade, nem Leo percebia o que lhe estava
a acontecer.
A
única pessoa que nunca proferiu uma única palavra contra Leo foi a sua avó, uma
sobrevivente dos tempos anteriores aos conflitos e que tinha perdido o marido
numa das batalhas.
Mesmo
assim, nunca a ouvira defender o fechamento da cidade ao mundo em nome da paz e
harmonia.
Houve
um dia em que Leo perguntou se não havia pessoas nem lugares diferentes, se
tudo iria ser sempre assim até daqui a muitos anos.
A
avó levantou os olhos e sorriu. E assim começaram as histórias sobre a lenda da
estrela cintilante.
No
início Leo achava que era apenas uma lenda bonita, aos poucos a lenda começou c
tornar-se verdadeira e acabou por adquirir contornos de uma realidade ali fora,
algures.
Estava
instalado o perigo para Leo porque o seu mundo tinha sido abalado e não
conseguia voltar ao mesmo.
Depois
de dias sem fim em que a avó lhe contava a lenda e de sentir que cada vez que a
ouvia parecia que era sempre mais extraordinária do que a vez anterior e, no
entanto, era exatamente a mesma, Leo tomou a inevitável decisão – tinha de ir à
procura da estrela cintilante.
Para
isso, teria de sair da cidade. Para isso, teria de desafiar a ordem
estabelecida. Para isso, teria de ir contra o pensamento de todos aqueles que
sempre conhecera.
A
avó sempre soube que esse seria o desfecho – olhava para Leo e sabia no seu
interior que um dia, o dia da partida chegaria. Com isso, viria a condenação de
Leo por tudo e por todos.
Por
isso, naquele dia, quando o sol amanheceu e deram pela falta de Leo, a avó
sorriu num misto de alegria e tristeza, pois sabia que nunca mais Leo voltaria
a casa. E o resto da cidade de imediato condenou: abandonou-nos porque queria
ir conhecer outros lugares e outras pessoas.
Na
noite em que decidiu ir à aventura – sim, para Leo as coisas não eram assim tão
complicadas nem dramáticas: iria apenas à aventura. E isso era emocionante. Nem
nunca pensou no caos que iria deixar atrás de si na cidade.
Atravessou
o caminho dos clandestinos (que na verdade não demorou assim tanto tempo a
encontrar – uma conversa com a avó, a consulta de uns livros antigos na
biblioteca – à escondida, pois claro, porque a secção dos livros antigos era
reservada apenas aos professores dirigentes) e ficou contente quando acabou –
aquelas passagens estreitas não eram do seu agrado.
Diante
de si estava uma planície sem fim, uma estrada muito larga e sempre a direito.
Não havia árvores, não havia casas, não se vislumbravam montanhas ao longe. Uma
infindável planície e uma estrada no meio, em direção não se sabe onde.
Leo
sentiu-se livre, com terror e pânico, mas uma inexplicável curiosidade e um
“vai tudo correr bem”.
A
lua ia alta e o negro do céu cobria todo o horizonte.
Não
se ouviam vozes, não se viam pessoas, nem edifícios, não se via vida. Pelo
menos, à primeira vista.
A
que distância estará a próxima cidade?”, pensava Leo, “tenho de ter cuidado
para não me verem…”, depois, de repente, um pensamento invadiu a mente.
“E
se a estrela cintilante fica noutra cidade?! Como vou fazer?! Não me vão deixar
vê-la” – o pânico da desilusão ia destruindo todos os sonhos e esperanças.
“Mas
não posso voltar. Não me vão perdoar. E tenho de ir ver.”, imediatamente tentou
organizar os seus pensamentos. “Agora não tenho cidade. Nem a minha nem a dos
outros. Não me vão compreender”. Os seus olhos fixaram o horizonte. O turbilhão
de emoções, pensamentos confusos desesperadamente à procura de lógica, duraram
pouco tempo e deram lugar a uma decisão.
“A
estrela cintilante vai-me compreender.”, cerrou os punhos e a coragem
encheu-lhe os pulmões como se fosse oxigénio.
sic
itur ad astra
P.C. Franco